A cada dia que se tornam públicos os meandros da Operação Lava-Jato, fica claro que a democracia brasileira tal como a concebemos foi transformada numa nefasta ditadura judicial.
Vamos aos fatos:
- Democracias cumprem o papel de mediar os conflitos típicos de sociedades complexas e plurais, submetendo-os ao império da Lei. Quanto mais se reconhece a lei como um limite necessário à convivência entre os cidadãos, melhor. No mesmo sentido, quanto mais as pessoas participam do processo de criação de novas leis, melhor. Desde que tais leis não violem o conjunto básico de direitos fundamentais que, previstos na Constituição, compõem o repertório básico da civilização.
- A atual crise nasce no golpe parlamentar de 2016. Nos termos da Constituição, o juízo sobre a qualidade de um governo pertence ao povo no exercício da soberania popular por meio do voto. O “impeachment” da presidenta Dilma, tal como realizado, se valeu de um argumento juridicamente frágil, pois, na prática, transferiu ao Congresso Nacional a competência para efetuar um julgamento político. É preciso dizer que ele começa a ganhar corpo no dia seguinte à eleição, quando Aécio Neves se recusa a reconhecer que perdeu.
- Parte da sociedade, animada pela grande mídia e influenciada por “fake news”, apoia a medida, demonstrando desconhecimento e desdém com o projeto democrático brasileiro.
- Em paralelo, o Partido da Lava-Jato ganha espaço, amplificado pela mesma mídia e por um exército de tolos nas redes sociais. Inocentemente, as pessoas transferiram a sua soberania popular para membros do sistema de Justiça que – eis o paradoxo! – não foram escolhidos por meio do voto e, por isso, não precisam prestar contas ao povo. Promotores e juízes devem obediência à lei, mas suas ações e decisões não se subordinam à opinião pública.
- Novamente, o espetáculo se dá em meio à cegueira eufórica das pessoas, que, ingenuamente, acharam que essas pessoas estão acima do bem e do mal e podem substituir inclusive a elas – as pessoas – nas decisões sobre os rumos de um país.
- Demorou, mas a máscara caiu. Hoje está claro que a Lava-Jato tinha alvo. Tinha política. Tinha projeto de poder. A prisão do presidente Lula foi só um capítulo dessa articulação que tinha como único objetivo a construção de uma Juristocracia no Brasil. Rasgamos a Constituição e as leis para atender aos caprichos e vaidades de um juiz que mal esconde o peito inflado e o sorriso arrogante quando se deixa fotografar com representantes do Poder. Não teve e não tem nada a ver com os problemas da corrupção, que, claro, não podem ser negligenciados. Contudo, são ações igualmente corruptas: promotores discutindo estratégia de investigação com juízes. Seleção de alvos. Escolha por investigar este e aquele, e por não investigar quem é simpático à causa. Pergunta que não quer calar: quem se sentiria à vontade sabendo que está sendo julgado por um juiz parcial?
- De novo, não tem a ver com problemas de um governo ou de um partido. Tem a ver com a destruição da democracia como nós a conhecemos. Tem a ver com aniquilar a possibilidade das pessoas decidirem conforme a sua consciência. Tem a ver com direitos de todos nós, inclusive de cidadãos honestos que podem amanhã ser objeto de uma arapuca como essa que foi montada.
- Problemas de democracia se resolvem com Estado de Direito, persuasão, mobilização, voto consciente, desconfiança de solução fácil, de discurso sedutor. É parte um percurso longo, difícil, mas que é o melhor a ser seguido.
- Cenas para o próximo capítulo: depois de monitorar ministros do STJ e do STF, o que mais se descobrirá das conversas obtidas pelo Intercept?