Democracia é coisa séria

Democracia é coisa séria

A cada dia que se tornam públicos os meandros da Operação Lava-Jato, fica claro que a democracia brasileira tal como a concebemos foi transformada numa nefasta ditadura judicial.
Vamos aos fatos:

  1. Democracias cumprem o papel de mediar os conflitos típicos de sociedades complexas e plurais, submetendo-os ao império da Lei. Quanto mais se reconhece a lei como um limite necessário à convivência entre os cidadãos, melhor. No mesmo sentido, quanto mais as pessoas participam do processo de criação de novas leis, melhor. Desde que tais leis não violem o conjunto básico de direitos fundamentais que, previstos na Constituição, compõem o repertório básico da civilização.
  2. A atual crise nasce no golpe parlamentar de 2016. Nos termos da Constituição, o juízo sobre a qualidade de um governo pertence ao povo no exercício da soberania popular por meio do voto. O “impeachment” da presidenta Dilma, tal como realizado, se valeu de um argumento juridicamente frágil, pois, na prática, transferiu ao Congresso Nacional a competência para efetuar um julgamento político. É preciso dizer que ele começa a ganhar corpo no dia seguinte à eleição, quando Aécio Neves se recusa a reconhecer que perdeu.
  3. Parte da sociedade, animada pela grande mídia e influenciada por “fake news”, apoia a medida, demonstrando desconhecimento e desdém com o projeto democrático brasileiro.
  4. Em paralelo, o Partido da Lava-Jato ganha espaço, amplificado pela mesma mídia e por um exército de tolos nas redes sociais. Inocentemente, as pessoas transferiram a sua soberania popular para membros do sistema de Justiça que – eis o paradoxo! – não foram escolhidos por meio do voto e, por isso, não precisam prestar contas ao povo. Promotores e juízes devem obediência à lei, mas suas ações e decisões não se subordinam à opinião pública.
  5. Novamente, o espetáculo se dá em meio à cegueira eufórica das pessoas, que, ingenuamente, acharam que essas pessoas estão acima do bem e do mal e podem substituir inclusive a elas – as pessoas – nas decisões sobre os rumos de um país.
  6. Demorou, mas a máscara caiu. Hoje está claro que a Lava-Jato tinha alvo. Tinha política. Tinha projeto de poder. A prisão do presidente Lula foi só um capítulo dessa articulação que tinha como único objetivo a construção de uma Juristocracia no Brasil. Rasgamos a Constituição e as leis para atender aos caprichos e vaidades de um juiz que mal esconde o peito inflado e o sorriso arrogante quando se deixa fotografar com representantes do Poder. Não teve e não tem nada a ver com os problemas da corrupção, que, claro, não podem ser negligenciados. Contudo, são ações igualmente corruptas: promotores discutindo estratégia de investigação com juízes. Seleção de alvos. Escolha por investigar este e aquele, e por não investigar quem é simpático à causa. Pergunta que não quer calar: quem se sentiria à vontade sabendo que está sendo julgado por um juiz parcial?
  7. De novo, não tem a ver com problemas de um governo ou de um partido. Tem a ver com a destruição da democracia como nós a conhecemos. Tem a ver com aniquilar a possibilidade das pessoas decidirem conforme a sua consciência. Tem a ver com direitos de todos nós, inclusive de cidadãos honestos que podem amanhã ser objeto de uma arapuca como essa que foi montada.
  8. Problemas de democracia se resolvem com Estado de Direito, persuasão, mobilização, voto consciente, desconfiança de solução fácil, de discurso sedutor. É parte um percurso longo, difícil, mas que é o melhor a ser seguido.
  9. Cenas para o próximo capítulo: depois de monitorar ministros do STJ e do STF, o que mais se descobrirá das conversas obtidas pelo Intercept?

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